Quando nos influenciamos fica fácil influenciar os outros

 em Gestão de Pessoas

 

pense gestãoO mais renomado negociador do mundo explica sua técnica inspirada no teatro e conta como ajudou Pão de Açúcar e Casino a fechar negócio.

Há mais de 30 anos o trabalho do antropólogo americano William Ury, de 61 anos, é mediar conflitos espinhosos e tentar encontrar maneiras de negociar e resolver situações de confronto. Habituado a mediar guerras ­civis, brigas empresariais e familiares, o antropólogo e professor de Harvard afirma que negociar é uma oportunidade de encontrar soluções criativas em conjunto. Co­autor do best­seller Como chegar ao sim (Solomon Editora), ele lança agora Como chegar ao sim com você mesmo (Sextante), no qual afirma que as negociações internas são tão ou mais difíceis do que as com oponentes inflexíveis. Em entrevista a ÉPOCA, Ury falou sobre os principais conflitos atuais, como a crise na Rússia, o acordo nuclear com o Irã e a aproximação entre Estados Unidos e Cuba, além de contar em detalhes como ocorreu a negociação que levou à saída de Abílio Diniz do Pão de Açúcar.

ÉPOCA – Em seu novo livro, o senhor diz que as pessoas tem dificuldade em negociar com elas mesmas. Por que? Como é possível ajudar as pessoas?
William Ury – Muitos anos atrás, fui coautor do livro “Como chegar ao sim”. A pergunta que a maioria das pessoas me fazia sobre negociação era “ok, quero chegar ao sim, mas como fazer isso com essa ou aquela pessoa difícil, como chegar ao sim quando o outro lado não quer?”. Eu me especializei nisso, negociação em situações difíceis, com pessoas difíceis. Mas aí percebi que a pessoa mais difícil com quem temos de lidar, o maior obstáculo para conseguirmos aquilo que realmente queremos, o maior obstáculo para a nossa satisfação, somos nós mesmos. Nós nos tiramos do nosso próprio caminho, nós nos sabotamos, sabotamos nossa própria felicidade. A primeira e mais importante negociação que qualquer um de nós precisa conduzir é a negociação com nós mesmos. Se chegássemos ao sim conosco, não seríamos apenas mais satisfeitos, mas também seria mais fácil chegar a uma negociação com outras pessoas.

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ÉPOCA – Como o senhor encontrou o caminho para chegar a esse sim consigo mesmo?
Ury – Levou bastante tempo. Tentei entender, em primeiro lugar, as minhas próprias experiências. Negocio já há 30 ou 35 anos, em todos os tipos de situações. Famílias, batalhas, conflitos familiares, negócios, guerras civis. Eu estava procurando os princípios fundamentais que nos ajudam a chegar ao sim dentro de nós mesmos. Príncipios que nos permitissem ser mais eficazes e felizes. Mais eficazes em lidar com as negociações que temos todos os dias com nossas famílias, nosso local de trabalho, nossa comunidade. Entrevistei e estudei as pessoas, porque estive envolvido em centenas de negociações. Então, tentava procurar os princípios essenciais durante um acordo, para melhorar nossas relações, para lidar com nós mesmos e obtermos satisfação. Comecei usando a mim mesmo como cobaia.

ÉPOCA – Em sua opinião, qual o maior desafio para um indivíduo chegar ao sim com ele mesmo? Por que isso é tão difícil para a maioria?
Ury – É difícil porque é natural e compreensivo do ser humano reagir. Em outras palavras, quando estamos em uma situação de estresse e conflito, tendemos a agir sem pensar. Quando você está zangado, faz o melhor discurso — do qual irá se arrepender. É o que fazemos: reagimos. Em uma situação de medo, nós nos doamos, sacrificamos nosso próprio bem-estar em nome de outras pessoas. Numa situação de raiva, atacamos. E atacar não necessariamente satisfaz, não necessariamente é a solução. A chave é a habilidade de ter um diálogo construtivo com o outro. Essa é a base da mensagem, a habilidade do que eu chamo de “ir para o camarote”. É uma metáfora que eu uso: isso (o conflito) é um drama, vocês são os atores e estão no palco. Vocês precisam “ir para o camarote”, para um lugar de perspectiva, calma, clareza, para se lembrar o que é realmente importante. É difícil “ir para o camarote” durante uma negociação, porque há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo: celulares, mensagens, tuítes, muitas distrações. É difícil tirar um momento de silêncio, uma soneca, tomar um café com um amigo. Essa é a maior dificuldade de todos para chegar ao sim: ir para o camarote.

ÉPOCA – Qualquer um pode aprender a “ir para o camarote”?
Ury – Acho que qualquer um pode fazer isso. Acho que até mesmo as crianças podem aprender. Seria uma habilidade muito importante para as crianças, porque isso as permitiria ser mais felizes e aprender a lidar melhor com outras pessoas. Vou te dar um exemplo: minha filha, Gabi, tem uma história de vida bem difícil. Ela nasceu com sérios problemas médicos e passou por muitas cirurgias, 15 aproximadamente. Ela não deixou nada disso ficar em seu caminho. Ela encontrou o sim dentro dela. Não importa o que aconteça, ela gosta de se divertir, de aproveitar todos os dias. Por exemplo, ela tinha o sonho de estar no Guinness Book. Há um ano, quando ela tinha 15 anos, decidiu que entraria no livro por causa de um exercício abdominal chamado “prancha”. O recorde mundial para mulheres era de 40 minutos, mas Gabi não deixou nada entrar em seu caminho, não deixou seus problemas médicos atrapalharem e em seu aniversário de 16 anos, ela fez a prancha por 1h20min. Agora, se você olhar no Guinness book, ela está lá. Ela exemplifica isso de que qualquer criança pode aprender, qualquer um pode aprender.

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ÉPOCA – Baseado em suas experiências como negociador entre estados em conflitos, como o senhor vê a atual tensão entre os países ocidentais e a Rússia?
Ury – É uma situação difícil. Vladimir Putin não é um líder fácil de lidar, mas eu acredito que é possível, porque o Ocidente não quer que a Rússia falhe. Eles não querem que a economia da Rússia falhe, isso seria terrível para a economiza mundial. O Ocidente não quer atacar a Rússia, todo mundo tem um interesse em comum de prosperidade para a Europa e Rússia em segurança. Então, Rússia e Estados Unidos estão cooperando para o acordo nuclear com o Irã. Certamente há um interesse em comum de evitar qualquer tipo de atentado nuclear, que seria uma perda para todo mundo. Putin é difícil porque em parte ele se sente rejeitado, se sente excluído, sente que a Rússia não é bem tratada, não é respeitada. Em parte também porque eles têm problemas legítimos de segurança, problemas na fronteira. Existe a possibilidade de um acordo a ser trabalhado: dar para a Rússia uma garantia de segurança, fazer um acordo e tentar encontrar uma boa solução com a Ucrânia, para o povo da Ucrânia.

ÉPOCA – Falando sobre o Irã, há uma característica peculiar da cultura persa de evitar a transparência nas negociações. Como o senhor avalia a atual situação entre Estados Unidos e Irã?
Ury – Novamente, assim como a Rússia, não é fácil. É por isso que é tão importante aprender a ser um bom negociador e a chegar ao sim consigo mesmo. Nós tendemos a reagir. Com o Irã há muito medo. E se o Irã tiver uma bomba? Há medo, há raiva por parte do Ocidente, dos Estados Unidos. É muito importante chegar ao sim com você mesmo. Com o Irã, pra mim, se você for para o “camarote” por um momento e olhar para a imagem maior, vai entender que o Irã gostaria de ver o fim das sanções, e os Estados Unidos e o ocidente querem ver o Irã sem uma bomba nuclear. Essa é a essência. O líder do Irã não quer uma bomba nuclear. Mas existe toda uma história por trás disso, o Irã sente que eles têm sido invadidos e que falta respeito, assim como a Rússia. É preciso sempre olhar quais são as alternativas em uma negociação. Se não houver um acordo com o Irã sobre a questão nuclear, o que irá acontecer? Se não houver acordo, o Irã vai aumentar sua produção nuclear o Ocidente vai entrar em guerra com o Irã e isso seria um desastre. Não é impossível chegar a um acordo com o Irã. Aliás, é absolutamente necessário. Mas, para ser feito, é preciso quebrar esse ciclo de medo. Há muito medo, raiva, suspeitas, estresse, de ambos os lados.

ÉPOCA – O que o senhor acha que está faltando no acordo entre Irã e Estados Unidos? O que você acha que é importante para agora?
Ury – Os Estados Unidos estão fazendo um grande avanço com o acordo. A chave para os Estados Unidos é ser capaz de reconhecer a história passada. Os Estados Unidos não prestam muita atenção para a história, mas para o Irã, por exemplo, em 1953, os Estados Unidos ajudaram a criar um golpe contra o presidente eleito democraticamente. Os Estados Unidos ajudaram Saddam Hussein na guerra do Irã. Em outras palavras, há toda uma história de ressentimento do outro lado com os Estados Unidos. Nós precisamos aprender a mostrar respeito de ambos os lados, a reconhecer os erros feitos no passado. É como em qualquer tipo de relação. Você tem que aprender a seguir adiante, a reconhecer e a se desculpar pelos erros que você cometeu no passado. Os Estados Unidos e o Irã podem melhorar a relação, porque o povo do Irã quer isso, e o povo americano também quer isso. Existe uma abertura para essa reaproximação, para uma reconciliação, mas você tem que quebrar as barreiras do medo. Tanto com o Irã quanto com a Rússia, a chave para isso é a habilidade de “ir para a varanda” e ver as coisas em perspectiva.

ÉPOCA – Em relação à aproximação dos Estados Unidos e Cuba, ainda há um longo caminho a ser percorrido até realmente chegar a um acordo, a uma conclusão. O que o senhor pensa sobre a relação entre os dois países?
Ury – São 50 anos de embargo, mas eu estive em Cuba alguns meses atrás e as pessoas lá realmente querem uma reaproximação. Existem tantos interesses em comum entre os Estados Unidos e Cuba, prosperidade e boas relações. Quando você tem conflitos, quando você tem sanções, boicotes, tudo isso influencia a população de Cuba, além da possibilidade de democracia. Mas há muitas emoções, há muitos cubanos nos Estados Unidos que estão esperando por isso. Eles sentem que são muito mal tratados. Então, novamente, a pergunta é: como você lida com o passado? Como você segue adiante para o futuro, em ambos os lados? Existem muitas pessoas, incluindo a comunidade cubana nos Estados Unidos, que querem ser reconhecidas. Você não pode simplesmente deixa-los no passado.

ÉPOCA – Como o senhor foi escolhido para intermediar as negociações entre Abilio Diniz, o grupo francês Casino e o Grupo Pão de Açucar? Quais foram as maiores dificuldades?
Ury – A forma como eu fui escolhido é muito importante. Foi pela mulher dele, Geyze Diniz, que tem um dos papéis mais importantes nesse caso. A mulher do Abílio Diniz e sua filha, Ana Maria, vieram a um seminário meu, anos atrás. Eu conheci a Ana Maria em um evento meu em São Paulo. Ela me procurou querendo conselhos sobre negociações, por causa do conflito entre Abílio e Jean-Charles Naouri (presidente-executivo e maior acionista do grupo varejista francês Casino). Era um conflito muito custoso não apenas para os dois, mas para suas famílias, para a empresa, para o Pão de Açúcar. Era o tipo de situação em que todos os lados estavam perdendo e a pergunta é: você pode dar a volta? Você pode mudar o jogo para uma situação em que todos os lados tenham benefícios? Era difícil, mas a chave, para mim, era o Abílio conseguir chegar ao sim com ele mesmo. Essa era uma grande dificuldade, olhar para dentro dele. É necessário muito coragem para fazer isso quando se está em um conflito. Abílio tem muita coragem. Então ele fez isso, olhou para dentro dele mesmo. Eu perguntei a ele “O que você realmente quer? Você é um homem que tem tudo. Qual é a coisa que você mais quer?” e a resposta dele foi: “Liberdade. Eu quero a minha liberdade”. Quando ficou claro que era isso que ele queria, ficou muito mais fácil.

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ÉPOCA – O que aconteceu depois desta pergunta?
Ury – Eu perguntei para Abílio o que ele queria com a liberdade. Ele disse que queria liberdade para passar mais tempo com a família dele, que é a coisa mais importante que ele tem na vida, e para fazer negócios, ser um líder nos negócios. Era isso que ele queria fazer. Então, uma vez que tudo estava claro, eu senti que o Abílio, da mesma forma que o Irã e a Rússia, se sentia muito desrespeitado por seu sócio, pelo outro lado. Então, quando eu me encontrei em Paris com o representante do Casino, David Rothschild, ele disse: Porque você está aqui? Eu disse: por que a vida é muito curta para essas brigas e para destruir a satisfação e a felicidade das pessoas. Ele perguntou qual era a minha proposta, e eu disse que poderíamos chegar a um acordo baseado em duas coisas: liberdade para que os dois homens seguissem com suas vidas, e dignidade, respeito. Então nós conseguimos chegar a um acordo em um conflito que já durava dois anos e meio. Isso era um domingo. Nós almoçamos juntos e na sexta, baseado nesses princípios de liberdade para os dois e dignidade, tínhamos os dois homens assinando os acordos. Enviamos press releases, os dois fizeram um discurso juntos para os executivos do Pão de Açúcar e Abílio me disse: “eu consegui tudo o que eu queria aqui, mas o mais importante de tudo foi conseguir a minha vida de volta”. Ele conseguiu a sua liberdade. O interessante é que não foi apenas um acordo “ok, eu vou assinar esse acordo”, mas os dois lados ficaram realmente satisfeitos com os resultados. Isso é o que realmente me satisfaz. Esse é o ponto central de uma negociação, a vitória para os dois lados. Na verdade não foi apenas uma vitória para os dois lados, foi uma vitória para a companhia, para os funcionários e para as famílias.

ÉPOCA – Para o senhor, baseado em sua experiência, qual o tipo de negociação mais complexa?
Ury – No momento eu estou trabalhando na Colômbia, estou ajudando nas negociações entre o governo da Colômbia e as Farcs [forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] e também estou trabalhando no Oriente Médio. Uma negociação em uma guerra é mais complexa e leva muitos anos. O interessante é que o tipo de negociação mais difícil que eu ou qualquer um já teve que fazer é a negociação com você mesmo. Se eu tiver sucesso em negociar comigo mesmo, será mais fácil negociar com qualquer um. Seja com o Pão de Açúcar ou com a Colômbia. Porque a essência, no final, é que nosso melhor instrumento para influenciar somos nós mesmos. Quando conseguimos influenciar nós mesmos, fica mais fácil influenciar os outros.

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Autora: ARIANE FREITAS

fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/06/william-ury-quando-nos-influenciamos-fica-facil-influenciar-os-outros.html

 

 

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